Alegação de bem de família não afasta a penhora de imóvel do fiador em contrato de locação

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A atual conjuntura econômica do país causou uma ampla movimentação no mercado imobiliário nacional. Na tentativa de adaptar os custos mensais, bem como adequar-se as suas novas necessidades, diversas famílias brasileiras venderam seus imóveis, compraram outros, ou até mesmo mudaram-se para imóveis cujo o preço do aluguel seja mais atraente.

Todo esse movimento no mercado imobiliário também elevou a quantidade de ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios. Em razão das últimas mudanças econômicas, alguns locatários não conseguiram cumprir com suas obrigações contratuais. Logo, não restou outra solução aos proprietários dos imóveis a não ser contar com o auxílio judicial para rescindir o contrato de locação, obter a retirada do locatário do imóvel e a sua condenação ao pagamento dos aluguéis e encargos da locação já vencidos e que virão a vencer até a data da desocupação do imóvel.

Apesar da legislação nacional possibilitar a cobrança dos débitos oriundos dos contratos de locação, muitos proprietários, ao locar seus imóveis, costumam solicitar garantias prévias para o pagamento das obrigações contratuais, como a fiança. Através da fiança, o proprietário tem a garantia que um terceiro irá pagar as obrigações assumidas pelo locatário (devedor), caso não sejam cumpridas no tempo e nas condições estabelecidas. No entanto, quando é necessário recorrer ao auxílio judicial, podem surgir questionamentos quanto aos limites da obrigação dos fiadores. Imaginemos a seguinte situação: o fiador de um contrato de locação apresenta como bem a ser penhorado, caso seja necessário o cumprimento de sua obrigação, o único imóvel que possui: a casa em que reside com sua família.

Então surge o questionamento: o imóvel qualificado como bem de família pode ser penhorado para o cumprimento de obrigação decorrente de fiança prestada pelo proprietário do imóvel em contrato de locação?

Primeiramente, é importante saber que é considerado bem de família o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, local de moradia da família, e indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. Portanto, goza de proteção legal, sendo impenhorável e não respondendo por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

Mas porque o imóvel destinado à moradia de seu proprietário goza da proteção da impenhorabilidade?

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC), adotado pela ONU em 1966 e ratificado pelo Brasil e por mais 138 países, é o principal instrumento legal internacional que trata do direito à moradia. Segundo o PIDESC, toda pessoa tem direito à moradia adequada e os Estados devem adotar medidas apropriadas para assegurar a efetividade desse direito.

Com isso, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 6º, encartou a moradia no rol dos direitos sociais, tratando-os como direitos fundamentais e, por diversas vezes, a constituição procurou protegê-lo haja vista sua relação direta com a dignidade da pessoa humana. Por exemplo, é dever do Estado a promoção de programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, IX, CF) e o direito à moradia é uma necessidade básica, constante dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que deve ser atendida pelo salário mínimo.

No entanto, apesar da relevância da proteção ao imóvel qualificado como bem de família, a Lei nº 8.009 de 1990 (responsável por regular a impenhorabilidade desta categoria de imóveis), estabeleceu algumas exceções. A principal exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família está relacionada as obrigações decorrentes de fiança prestada em contrato de locação. Ou seja, conforme o art. 3°, inciso VII, da Lei nº 8.009 de 1990, é possível a penhora de imóvel de propriedade do fiador, mesmo sendo considerado bem de família. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a constitucionalidade do artigo.

Mas porque o STF possui esse entendimento?

Não é novidade que um dos fatores mais complicados no mercado de locação de imóveis para os candidatos à condição de locatários é a onerosidade das garantias contratuais exigidas pelos proprietários. Muitas das vezes exigem-se o pagamento adiantado de aluguéis ou até mesmo a indicação de mais de um fiador. Os limites impostos pelos proprietários acabam, de forma reflexa, dificultando a realização do próprio direito à moradia. Mas também pode-se dizer que, de forma oblíqua, a possibilidade de penhora do bem do fiador estaria protegendo o direito social de moradia inerente ao locador.

Tanto o direito à moradia como o direito à liberdade de obrigar-se através de um contrato e suportar os ônus desta livre manifestação, são direitos fundamentais. Porém, os direitos fundamentais não têm caráter absoluto. Em determinadas situações, nada impede que um direito fundamental ceda o passo em prol da afirmação de outro numa situação real. Dessa maneira, a decisão de prestar fiança, por ser uma expressão da liberdade, do direito à livre contratação, feita pelo proprietário do bem de família põe em risco a segurança de um direito fundamental social que lhe é assegurado pela Constituição: o direito à moradia. Logo, por ser um ato de vontade própria, é legítima a penhora de bem de família pertencente ao fiador de contrato de locação.

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